O relógio cuco pendurado na parede do corredor marcava dez para meia
noite, quase na hora do passarinho sair, gritar, entrar e repetir mais algumas
vezes até que todos na casa acordassem apavorados com o escândalo do relógio.
Sai do banheiro enrolada na toalha, pingando água dos cabelos pelo corredor até
escutar a tranca da porta dos fundos sendo aberta. O andar de baixo estava
escuro e todos já haviam ido deitar a algumas horas. Lembrei que meu irmão
tinha perdido a chave da porta e que por isso ela estava destrancada, e que o
barulho podia ser do meu gato Mingau tentando pular e alcançar a maçaneta
velha. Resolvi que desceria, fecharia a porta e traria o gato para dormir no
meu quarto. Não foi uma decisão sensata.
Chamando pelo nome do meu gato, percorri os cômodos da casa e nenhum
sinal de vida nos ambientes, nada além do breu e do silêncio cortante. Dei um
pulo e senti um calafrio na espinha quando finalmente o cuco do relógio soltou
seu primeiro berro anunciando o horário. Como que por instinto, virei na
direção na qual eu dava as costas e percebi que havia alguém dentro de casa e
não era meu gato amarelo e manhoso.
O vulto humano estava a uns três metros de distancia bem na minha
frente. Minha respiração foi diminuindo, forcei meu coração a desacelerar seu
batimento porque era o mais sensato a se fazer e fiquei mais alguns segundos
encarando o homem que me encarava de volta com alguma coisa em uma mão e com
quase cem por cento de certeza um machado na outra. Que clichê, eu pensei, meu
fim seria como em um filme de terror e ninguém ainda tinha gritado para eu
correr.
Localizada no centro da sala e com acesso a escadaria para o andar
superior e a saída da frente da casa, optei por subir correndo as escadarias e
alertar o perigo aos demais antes que fosse tarde demais. Com o coração
acelerado, a respiração ofegante e sendo vencida pelo medo, pulava degraus
enquanto o homem misterioso caminhava calmamente em minha direção, demonstrando
total controle da situação.
A poça de água no corredor feita pelos meus cabelos encharcados me fez
escorregar e cair no assoalho. Foi então que percebi que ainda estava com a
toalha enrolada no corpo prestes a cair. Levantei do chão aos tropeços e bati
com força nas portas que seguiam pelo corredor para acordar os
adormecidos. Sem nenhuma resposta a minha batida, entrei no quarto dos
meus pais, ao abri a porta completamente, me deparei com a cama toda
ensangüentada, respingos de sangue na parede e meus pais, mortos. Senti
uma pressão no coração, eu já não estava raciocinando e minha vontade era cair
no chão e chorar, chorar até não poder mais. Mas eu sabia que não era possível,
de nada adiantaria chorar em um momento daqueles e em poucos minutos eu poderia
estar morta se não fizesse nada. Já não comandava mais meu corpo e desconhecia
tamanha destreza. O medo falava por mim.
O quarto dos meus pais era pequeno, não tinha muitos móveis dentro, mas
os que tinham ocupavam bastante espaço, o que me deixava meio claustrofóbica.
Tinha uma porta grande em frente à cama deles que dava para a sacada, corri
para lá o mais rápido que pude e pulei para a janela do quarto do meu irmão com
a esperança de ainda vê-lo vivo. Para a minha surpresa, ele não estava morto,
mas também não estava no quarto. Talvez ele tivesse desobedecido nossos pais e
continuava bebendo em algum lugar com os amigos. Meu irmão era o tipo de
adolescente que colecionava coisas bizarras e pendurava tudo nas paredes do
quarto. O quarto também pequeno como o dos meus pais, parecia ter sido tirado
de uma revista nerd que todo o adolescente maluco gostaria de ter. Mas para a
minha sorte, ele tinha deixado o celular carregando em casa. Disquei o numero
da policia e fui atendida pela mesma voz feminina dos filmes, perguntando qual
era a emergência. Eu logo disse que havia um maníaco na minha casa e estava
dando meu endereço. Graças a deus o pesadelo logo iria acabar e eu seria salva
por um batalhão de policias. Mas nem tudo é como nós gostaríamos e o homem
maluco entrou no quarto do meu irmão antes mesmo que eu desse o numero da minha
casa a garota das emergências.
Agora o rosto dele estava nítido, eu podia ver a fúria em seus olhos e a
sede por morte no modo em que ele me olhava. Seu cheiro era uma mistura de
álcool barato, sujeira e sangue. Tudo misturado. Ele avançou na minha direção
com o machado levantado e me jogou contra a parede com tanta força que sentia
meu corpo sendo espremido por uma pedra gigante. Eu me debatia tentando não
sufocar com a força que ele fazia com seu antebraço contra meu pescoço, mas já
estava perdendo os movimentos e a força. Ele me puxou pelos cabelos e me jogou
no chão. Naquele momento eu jurava que iria ser decapitada, não havia o que
fazer, eu iria morrer ali.
Com os olhos semi-abertos eu consegui localizar o canivete do meu irmão
fechado em baixo da cama, focalizei a força que me restara nos braços e tentei
me arrastar até em baixo da cama. O maníaco me puxava pelas pernas e eu me
agarrava aos pés da cama para resistir ao meu fim, quando finalmente alcancei o
pequeno canivete. Aquele canivete havia me dado esperança, talvez eu pudesse
matar aquele monstro ou apenas detê-lo tempo o suficiente até que o socorro
chegasse. Meu rosto estava cortado, eu havia machucado quando pulava da sacana
para o quarto do meu irmão e a essa altura já não estava enrolada em toalha
alguma, perdi a toalha no corredor e meu corpo despido era a ultima das minhas
preocupações no momento. Segurei com força o canivete com a mão direita e fiz
um movimento parecido com um coice, afastando o homem e fazendo-o cair no chão.
CONTINUA... Não deixe a porta aberta (Segunda parte)
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