sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

NÃO DEIXE A PORTA ABERTA


O relógio cuco pendurado na parede do corredor marcava dez para meia noite, quase na hora do passarinho sair, gritar, entrar e repetir mais algumas vezes até que todos na casa acordassem apavorados com o escândalo do relógio. Sai do banheiro enrolada na toalha, pingando água dos cabelos pelo corredor até escutar a tranca da porta dos fundos sendo aberta. O andar de baixo estava escuro e todos já haviam ido deitar a algumas horas. Lembrei que meu irmão tinha perdido a chave da porta e que por isso ela estava destrancada, e que o barulho podia ser do meu gato Mingau tentando pular e alcançar a maçaneta velha. Resolvi que desceria, fecharia a porta e traria o gato para dormir no meu quarto. Não foi uma decisão sensata. 


Chamando pelo nome do meu gato, percorri os cômodos da casa e nenhum sinal de vida nos ambientes, nada além do breu e do silêncio cortante. Dei um pulo e senti um calafrio na espinha quando finalmente o cuco do relógio soltou seu primeiro berro anunciando o horário. Como que por instinto, virei na direção na qual eu dava as costas e percebi que havia alguém dentro de casa e não era meu gato amarelo e manhoso. 
O vulto humano estava a uns três metros de distancia bem na minha frente. Minha respiração foi diminuindo, forcei meu coração a desacelerar seu batimento porque era o mais sensato a se fazer e fiquei mais alguns segundos encarando o homem que me encarava de volta com alguma coisa em uma mão e com quase cem por cento de certeza um machado na outra. Que clichê, eu pensei, meu fim seria como em um filme de terror e ninguém ainda tinha gritado para eu correr. 

Localizada no centro da sala e com acesso a escadaria para o andar superior e a saída da frente da casa, optei por subir correndo as escadarias e alertar o perigo aos demais antes que fosse tarde demais. Com o coração acelerado, a respiração ofegante e sendo vencida pelo medo, pulava degraus enquanto o homem misterioso caminhava calmamente em minha direção, demonstrando total controle da situação. 
A poça de água no corredor feita pelos meus cabelos encharcados me fez escorregar e cair no assoalho. Foi então que percebi que ainda estava com a toalha enrolada no corpo prestes a cair. Levantei do chão aos tropeços e bati com força nas portas que seguiam pelo corredor para acordar os adormecidos. Sem nenhuma resposta a minha batida, entrei no quarto dos meus pais, ao abri a porta completamente, me deparei com a cama toda ensangüentada, respingos de sangue na parede e meus pais, mortos. Senti uma pressão no coração, eu já não estava raciocinando e minha vontade era cair no chão e chorar, chorar até não poder mais. Mas eu sabia que não era possível, de nada adiantaria chorar em um momento daqueles e em poucos minutos eu poderia estar morta se não fizesse nada. Já não comandava mais meu corpo e desconhecia tamanha destreza. O medo falava por mim. 

O quarto dos meus pais era pequeno, não tinha muitos móveis dentro, mas os que tinham ocupavam bastante espaço, o que me deixava meio claustrofóbica. Tinha uma porta grande em frente à cama deles que dava para a sacada, corri para lá o mais rápido que pude e pulei para a janela do quarto do meu irmão com a esperança de ainda vê-lo vivo. Para a minha surpresa, ele não estava morto, mas também não estava no quarto. Talvez ele tivesse desobedecido nossos pais e continuava bebendo em algum lugar com os amigos. Meu irmão era o tipo de adolescente que colecionava coisas bizarras e pendurava tudo nas paredes do quarto. O quarto também pequeno como o dos meus pais, parecia ter sido tirado de uma revista nerd que todo o adolescente maluco gostaria de ter. Mas para a minha sorte, ele tinha deixado o celular carregando em casa. Disquei o numero da policia e fui atendida pela mesma voz feminina dos filmes, perguntando qual era a emergência. Eu logo disse que havia um maníaco na minha casa e estava dando meu endereço. Graças a deus o pesadelo logo iria acabar e eu seria salva por um batalhão de policias. Mas nem tudo é como nós gostaríamos e o homem maluco entrou no quarto do meu irmão antes mesmo que eu desse o numero da minha casa a garota das emergências.
Agora o rosto dele estava nítido, eu podia ver a fúria em seus olhos e a sede por morte no modo em que ele me olhava. Seu cheiro era uma mistura de álcool barato, sujeira e sangue. Tudo misturado. Ele avançou na minha direção com o machado levantado e me jogou contra a parede com tanta força que sentia meu corpo sendo espremido por uma pedra gigante. Eu me debatia tentando não sufocar com a força que ele fazia com seu antebraço contra meu pescoço, mas já estava perdendo os movimentos e a força. Ele me puxou pelos cabelos e me jogou no chão. Naquele momento eu jurava que iria ser decapitada, não havia o que fazer, eu iria morrer ali.

 Com os olhos semi-abertos eu consegui localizar o canivete do meu irmão fechado em baixo da cama, focalizei a força que me restara nos braços e tentei me arrastar até em baixo da cama. O maníaco me puxava pelas pernas e eu me agarrava aos pés da cama para resistir ao meu fim, quando finalmente alcancei o pequeno canivete. Aquele canivete havia me dado esperança, talvez eu pudesse matar aquele monstro ou apenas detê-lo tempo o suficiente até que o socorro chegasse. Meu rosto estava cortado, eu havia machucado quando pulava da sacana para o quarto do meu irmão e a essa altura já não estava enrolada em toalha alguma, perdi a toalha no corredor e meu corpo despido era a ultima das minhas preocupações no momento. Segurei com força o canivete com a mão direita e fiz um movimento parecido com um coice, afastando o homem e fazendo-o cair no chão. 




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